terça-feira, 21 de junho de 2016

A colonização do futebol sul-americano




Em 1434 Gil Eanes, navegador português, com uma tática sofisticada (e arriscada sob o ponto de vista de muitos) cruzou o temido Cabo Bojador ou "Cabo do Medo" (Barreira física que impedia que as embarcações pudessem circunavegar toda a extensão da costa africana) como era também conhecido já que superá-lo, até aquela altura do século XV se mostrava impossível ante as condições geográfica e tecnologicamente adversas.
 Após o triunfo de Eanes abriu-se um novo mundo de possibilidades à nação ibérica. Amparados por uma situação econômica e governamental favorável, além de moralmente embalados pela conquista da Cidade islâmica de Ceuta (cidade localizada num ponto geograficamente estratégico) os portugueses partiram para uma avassaladora onda de conquistas que se seguiriam nos anos vindouros.
Mas que diabos isso tem a ver com o futebol (que estava ainda muito longe de ser concebido da forma como o conhecemos)?
A resposta é simples: Assim como uma gigantesca expansão territorial e de influência política e cultural, inicialmente encabeçada por Portugal, imediatamente seguida nos anos próximos por Espanha e depois por muitas outras nações européias que, a começar por África e poucas décadas depois América, varreu o mundo naqueles tempos - no âmbito do futebol teve início entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 tendo como colônias de exploração preferidas as terras além do Atlântico.
Assim como a expansão territorial foi motivada por uma série de fatores e pela combinação deles e, em grande medida, também possibilitada por outras tantas causas uma igualmente propícia conjunção de fatores ocorreu com o futebol.
Nos primeiros anos da década de 1980 o Futebol Brasileiro já era tri campeão do mundo; havia mostrado ao planeta o "Rei" do esporte; formado alguns dos mais fantásticos esquadrões que o universo futebolístico já vira; arrastava multidões aos estádios e sobretudo suscitava nas crianças e jovens, praticantes do esporte, o desejo de jogar nas, SIM, mais poderosas (futebolisticamente) equipes do mundo; Flamengo de Zico, Corinthians do Dr. Sócrates, o EXPLOSIVO Vasco de Dinamite (eu não podia deixar a piada passar) os Menudos do Morumbi que viriam e a primeira geração de Meninos da Vila mais famosa do mundo.
 Enfim, o frutífero futebol praticado aqui, embora mantivesse a essência que o fez se espalhar pelo globo, começava a sofrer com a sincronia entre o esporte e a terra onde ele é praticado.
A economia decadente; os altos índices de pobreza e analfabetismo; a hiperinflação, estes eram apenas alguns dos problemas pelos quais o Brasil passava. Problemas estes que, obviamente, se estendiam ao futebol. O atenuante para uma debandada não tão massiva de nossos melhores jogadores, naqueles tempos, era o hoje moribundo "amor à camisa". Muitos jogadores viam os clubes como uma extensão de suas casas - sendo assim algo a ser respeitado. Os campos de várzea e os pequenos campinhos eram ainda abarrotados de crianças numa época em que o real era mais impactante do que o virtual. Os campos e quadras de futsal divertiam as crianças como hoje, infelizmente, os tablets, celulares e afins, fazem - criando uma geração carente de algumas interessantes características.
A Europa no mesmo período caminhava em franca recuperação estrutural, social e econômica depois de viver, no mesmo século, os dois maiores conflitos armados já vistos no mundo.
 O futebol , e a excelência em sua prática, era mais um dos elementos de reafirmação do poder do velho continente e da recuperação da lógica eurocêntrica (apenas mais um dentre outros mais importantes). Isso aliado ao fato de que os europeus começavam a perceber o potencial econômico daquele esporte foram alguns dos fatores (não todos) que levaram grande parte dos países da Europa a estruturar seus clubes e o futebol em moldes empresariais. Em alguns centros o "pé de obra" europeu não era suficiente para gerar o poderio necessário dentro de campo. E então, assim como Portugal, lá no século XV pôde se aproveitar do fato de ser uma dos poucos reinos europeus a não estar vivendo conflitos armados com outros reinos (guerras que causam despesas gigantescas às partes envolvidas) nem conflitos ou perturbações internas) e por isso estar estável organizacional e financeiramente para investir em tecnologia náutica (com auxilio do conhecimento e instrumentação árabe), a Europa dos anos 1980 com seu poderio financeiro e seus projetos empresariais e de marketing para a exploração do futebol, e claro) o momento propício se lançou à America do Sul para explorar o futebol daqui assim como os reinos ibéricos fizeram, com os recursos e riquezas, séculos antes.
Portugal demorou entre 40 e 60 anos para se estabelecer na chamada América Portuguesa, atual Brasil e algumas porções de Argentina e Uruguai e com o movimento expansionista do futebol europeu não foi diferente. Este processo gradativo de "colonização" do futebol sul-americano começou a dar frutos substanciais apenas alguns anos mais tarde. Mas, curiosamente, a idéia que se consolidou no imaginário dos mais jovens é a de que Barcelona, Real Madrid, Manchester United, Milan e outros midiáticos e "empresariais" clubes europeus sempre foram infinitamente superiores aos também gigantes sul-americanos como Peñarol, Independiente, Boca Juniors, Nacional do Uruguai, São Paulo, Santos e outros tantos. O que absolutamente não é verdade. A julgar pelo fato de que o Barcelona, atual clube da moda teve grande parte de sua história construída a partir do talento de Holandeses, Argentinos e Brasileiros e hoje, por exemplo, a espinha dorsal do time é formada por Messi (ARG), Neymar (BRA), Suárez (URU) e Mascherano (ARG). O arqui-rival do clube catalão, Real Madrid tem como seu maior nome o argentino Di Stefano.
Os mais jovens infelizmente não fazem ideia de que os clubes sul-americanos já tiveram SIM poderio técnico para derrotar casualmente os gigantes europeus.
 A relação de interdependência da "Metrópole" com a "Colônia Futebolística" é clara.
Ao longo dos anos 1990 devido a mudança das leis regulamentadoras da relação Clube - Atleta e com o sucateamento do futebol nacional, este, gerado entre outras coisas pela incompetência administrativa dos clubes; as relações espúrias entre empresários; dirigentes de clubes e pais e mães de jogadores deslumbrados pela idéia de fama e fortuna oferecida pelo futebol europeu geraram o loteamento das categorias de base.
 Este processo mais tarde culminaria na decadência da qualidade técnica e tática do futebol sul-americano e influenciaria no enfraquecimento das seleções do nosso continente.
Cabe também dizer que um dos piores e mais evidentes aspectos dessas colonização e extração esportiva é que assim como na colonização territorial toda a cultura produzida por um ou vários povos é assimilada e descaracterizada de maneira forçada. Mas isso é papo pro próximo episódio de "Como destruir o futebol local", série de sucesso entre os dirigentes do Brasil

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